terça-feira, 4 de dezembro de 2012

José Mujica, o presidente "mais pobre" do mundo


Nada em particular na casa do presidente José Mujica indica quem vive realmente alí: um homem com um passado cinematográfico que exerce o cargo de maior poder no Uruguay. 
Ao chegar em sua chácara, em uma zona rural de Montevideo, pode ver-se desde a rua, as roupas de Mujica e sua esposa, a senadora Lucia Topolansky, estendida ao ar na manhã de uma primavera austral.

Ele está sentado à sombra, ao lado do portão de entrada. Veste uma velha calça de algodão arregaçada, camisa polo e jaqueta esportiva. Sua pequena cachorra Manuela -mestiça e com uma pata amputada o acompanha, cheirando-o.
"Não tenho religião, mas sou quase um panteísta: admiro a natureza", disse durante uma longa conversa exclusiva com a BBC Mundo. " Admiro quase como quem admira a magia". 
Toca um telefone e Mujica tira do bolso um velho celular dobrável, atado a um elástico. O elástico se rompe, mas o presidente dá um nó enquanto fala. E torna a colocar em volta do celular.
"Não me disfarço de presidente e sigo sendo como sempre fui", comenta.
Sua imagem não encaixa necessariamente com a de um chefe de Estado do século XXI. Não usa Twitter, nem correio eletrônico e em seu tempo livre se dedica a cultivar flores e hortaliças.
Doa quase 90% do seu salário para caridade e segundo sua última declaração de bens tem, com Topolansky um patrimônio de uns US$200 mil: a chácara, dois velhos fuscas "escaravelhos" e três tratores.
É um estilo de vida que não tem passado despercebido pela imprensa internacional e nas redes sociais, que o tem chamado de "o presidente mais pobre do mundo". Também tem dado a volta ao mundo para promover um projeto de lei que permitiria ao Estado uruguayo produzir e vender maconha.
"Galopar para dentro"
"Estive sete anos sem ler um livro. Tive que repensar tudo e aprender a galopar para dentro por momentos, para não ficar louco"
José Mujica
Mujica, a quem muitos uruguaios chamam simplesmente "Pepe", está longe de ser um outsider da política, uma atividade que ele vai garantir "com pernas para frente", o que significa que pensa em praticá-la enquanto estiver vivo.
Nasceu há 77 anos e quando jovem militou no Partido Nacional (PN, opositor ao governo) e nos anos 60 foi fundador do Movimento de Liberação Nacional-Tupamaros (MLN-T), uma guerrilha urbana de esquerda influenciada pela revolução cubana e o marxismo.
Foi ferido de bala e detido em várias ocasiões. Em 1971 fugiu do cárcere junto a mais de uma centena de militantes, em uma das maiores fugas carcerárias da história do país. Foi recapturado, escapou e caiu preso outra vez.
No total, passou 14 anos preso.
Após o golpe de Estado de 1973, integrou um grupo de "nove reféns" tupamaros que o regime militar manteve em condições desumanas de tortura e isolamento, fechado um tempo em uma cisterna.
Esses anos de soidão foram provavelmente os que mais me ensinaram. Estive sete anos sem ler um livro. Tive que repensar tudo e aprender a "galopar para dentro" para não ficar louco.
"Necessito pouco"
Recuperou a liberdade com uma anistia em 1985 e uma década depois foi eleito deputado, em seguida senado e em 2005 foi ministro da Agricultura do primeiro governo da coalizão de esquerda Frente Ampla.
"Não sou o presidente pobre, pobre são os que querem mais", assegura Mujica.
Ele venceu o segundo turno das eleições presidenciais de novembro de 2009 com 53% dos votos. No entanto, segui vivendo na casa que morava com sua mulher, onde na entrada há uma sala cheia de imagens e recordações e atrás, uma cozinha onde Mujica lava com as mãos uns copos para servir uma bebida aos visitantes.

"Para viver preciso de dois ou três cômodos, uma cozinha, o básico que eu e minha companheira arrumamos rapidinho. 

Mujica afirma que a austeridade é parte de uma "luta pela liberdade".

"Se tenho poucas coisas, necessito pouco para sustentá-las", raciocina. "Portanto, meu tempo de trabalho eu dedico ao mínimo. Para que eu preciso de tempo? Para gastá-lo com as coisas que eu gosto. Nesse momento, creio que sou livre". 
Pregação e governo

Apesar de sua reivindicação de austeridade, há quem  diga que o governo gasta mais do que arrecada. E apesar de sua fala anti-consumista, durante sua gestão, os uruguaios tem comprado muitos carros e outros bens de consumo importados como poucas vezes na história do país.

" A crítica que Mujica faz utilizando a palavra consumismo, ocorre a partir de uma visão filosófica", disse Marcelo Lombardi, presidente da Câmara de Comércio e Serviços do Uruguai.
O ex-presidente Luis A. Lacalle (PN), que perdeu o segundo turno eleitoral de 2009 para Mujica, afirma que este assumiu com a "maioria no parlamento e uma prosperidade econômica como há anos o país não conhecia".
"Hoje, na metade do mandato do presidente Mujica, podemos dizer que sua gestão não tem sido tão boa como poderia ser", disse Lacalle à BBC Mundo e menciona problemas na saúde, educação e obras públicas.

Em sua casa de Carrasco, um bairro abastado de Montevideo, Lacalle afirma que Mujica "se confunde e às vezes sai da mera modéstia, que (...) é uma opção, para entrar na crença de que é popular falar mal. dizer palavras grosseiras".
"O presidente tem que ser um exemplo", diz. "Um presidente que usa mal as palavras e usa palavras comuns não é o que um país quer".
"Que critiquem tudo o que quiserem"
Segundo pesquisas recentes, a popularidade de Mujica tem caído para baixo de 50% e a aprovação de seu desempenho como presidente é menor que 40%.
Para alguns uruguaios, a austeridade não é sinônimo de um bom governante, não é passagem direta para a aprovação.

Ignacio Zuasnabar, da pesquisa local Equipos, explica que a imagem de homem comum e atual "é um ponto muito importante de Mujica que é valorizado pelas pessoas, mas não necessariamente isto é suficiente para conter críticas sobre outros aspectos da gestão".
"A gestão do governo está apresentando alguns questionamentos quanto aos resultados", disse.
Também explica que o presidente tem "um estilo que não gera consensos majoritários no Uruguay", com setores mais populares e menos escolarizado que se identificam com ele e outros mais escolarizado que predominantemente o rechaçam.

Mujica disse que caiu nas pesquisas "porque as pessoas estão muito melhores e ambicionam muito mais".
Destaca que em seu país de 3,3 milhões de habitantes, houve 850 mil que saíram da pobreza em sete anos e agora "exigem do governo e o governo dá o que pode"
No entanto, nega que as críticas o afetam.
" Eu vou seguir governando como me parece, no acerto ou no erro. Que critiquem tudo o que quiserem, para isso é a liberdade", comenta. " A mim, se tem criticado toda a vida".