domingo, 4 de setembro de 2011

“O céu que nos protege”


Trabalhar com o povo Kanamari foi uma das experiências mais intensas que tive. Esse povo vive na região do Médio Juruá no Amazonas e fala uma língua da família Katukina. Foram muito receptivos comigo desde o início e logo de cara os admirei pelo bom humor característico. A maioria não fala português e quando fala, se restringe aos homens, especificamente os líderes.
 Como a população encontrava-se dividida em pouco mais de dez aldeias, visitá-las era uma tarefa infindável: as longas distâncias que percorríamos pelo rio Juruá exigiam disposição, coragem , um barco em perfeitas condições e uma enorme quantidade de combustível.
Muitas vezes as viagens eram tão longas que eu e meus companheiros de equipe passávamos dias no rio para chegarmos numa das aldeias. Navegar contra a corrente do Juruá, a 12 km/h,  me fez questionar o tempo e finalmente entender que este é relativo. Paulistana de nascença e ansiosa por natureza, viver em outro “tempo” foi um poderoso exercício e me fez muito bem.
Em uma ocasião, chegamos numa das aldeias Kanamari ao cair da tarde. As crianças vieram correndo nos receber e logo estávamos na casa de uma liderança comendo um peixe com farinha.


A noite veio, revelando um céu que eu nunca tinha visto, pois eram tantas estrelas que só mesmo a ausência de eletricidade poderia revelar. Obcecada com o espetáculo astronômico, fiquei horas olhando atentamente para o céu quando notei um ponto luminoso, parecendo uma estrela, mas que tinha movimento próprio. Cada vez mais intrigada com a “estrela que se movia”, procurei um outro ponto de observação sem notar que eu mesma estava sendo observada. Em certos momentos o ponto luminoso parecia aumentar enquanto minha mente fazia mil especulações sobre OVNIs e a possibilidade de vida extraterrestre. Afinal, seria privilegiada se pudesse somar essa experiência ao contexto em que me encontrava: no meio da floresta amazônica, numa área isolada, vivendo com um povo fantástico.
No entanto, Kadji, um rapaz que morava na aldeia se juntou a mim e começou a olhar para o mesmo ponto. Vendo que eu estava boquiaberta tentando entender o fenômeno, ele me cutuca e solta numa mistura de português com sotaque Kanamari, acabando com o mistério:
- Satelití!!