terça-feira, 22 de novembro de 2011

Vamos todos assoviar, chupar cana e comer soja?


Final de semana pesado. Após o assassinato de Nísio, uma liderança Kaiowá-Guarani, na manhã de sexta-feira 18/11/2011, muita gente indignada me perguntou: “O que podemos fazer?”. Nísio é mais um que tomba, resultado da ação de milícias armadas travestidas de empresas de segurança, contratadas por fazendeiros no MS. Esse poder paralelo, que vem intimidando até agente da Polícia Federal, está a serviço do “direito à propriedade”, jargão aclamado por muitos. Afinal, o discurso do agronegócio está sempre atrelado à “eficiência” e “produtividade”, necessários ao “desenvolvimento” do país. É um discurso que  cola, pois como se encontra intimamente ligado a valores patriarcais e moralistas,  a concentração fundiária signifca poder e honra.
O avanço das fronteiras agrícolas no país, seja para monocultura de soja ou cana, está transformando o ambiente e provocando um verdadeiro genocídio entre os Kaiowá. Inseridos no rol dos refugiados ambientais, os Kaiowá-Guarani são expulsos de seus territórios tradicionais e lançados a situações degradantes e de extrema vulnerabilidade, com violações de todo tipo.  
Não podemos ser coniventes. Vejo gente se mobilizando por muito menos, até mesmo para ter o “direito” de estacionar o carro sobre uma ciclovia,  mas quando se trata de um coletivo ameaçado, como é o caso, a resposta é o silêncio. É urgente que as pessoas se mobilizem, coloquem a questão em pauta, cobrem do poder público, além de  discutir os atuais padrões de consumo. Caso contrário, vamos assistir passivamente, assoviando e chupando cana, o extermínio de outros líderes indígenas que, inclusive, já estão na lista dos assassinos.





 Nísio - foto de Eliseu Lopes

domingo, 4 de setembro de 2011

“O céu que nos protege”


Trabalhar com o povo Kanamari foi uma das experiências mais intensas que tive. Esse povo vive na região do Médio Juruá no Amazonas e fala uma língua da família Katukina. Foram muito receptivos comigo desde o início e logo de cara os admirei pelo bom humor característico. A maioria não fala português e quando fala, se restringe aos homens, especificamente os líderes.
 Como a população encontrava-se dividida em pouco mais de dez aldeias, visitá-las era uma tarefa infindável: as longas distâncias que percorríamos pelo rio Juruá exigiam disposição, coragem , um barco em perfeitas condições e uma enorme quantidade de combustível.
Muitas vezes as viagens eram tão longas que eu e meus companheiros de equipe passávamos dias no rio para chegarmos numa das aldeias. Navegar contra a corrente do Juruá, a 12 km/h,  me fez questionar o tempo e finalmente entender que este é relativo. Paulistana de nascença e ansiosa por natureza, viver em outro “tempo” foi um poderoso exercício e me fez muito bem.
Em uma ocasião, chegamos numa das aldeias Kanamari ao cair da tarde. As crianças vieram correndo nos receber e logo estávamos na casa de uma liderança comendo um peixe com farinha.


A noite veio, revelando um céu que eu nunca tinha visto, pois eram tantas estrelas que só mesmo a ausência de eletricidade poderia revelar. Obcecada com o espetáculo astronômico, fiquei horas olhando atentamente para o céu quando notei um ponto luminoso, parecendo uma estrela, mas que tinha movimento próprio. Cada vez mais intrigada com a “estrela que se movia”, procurei um outro ponto de observação sem notar que eu mesma estava sendo observada. Em certos momentos o ponto luminoso parecia aumentar enquanto minha mente fazia mil especulações sobre OVNIs e a possibilidade de vida extraterrestre. Afinal, seria privilegiada se pudesse somar essa experiência ao contexto em que me encontrava: no meio da floresta amazônica, numa área isolada, vivendo com um povo fantástico.
No entanto, Kadji, um rapaz que morava na aldeia se juntou a mim e começou a olhar para o mesmo ponto. Vendo que eu estava boquiaberta tentando entender o fenômeno, ele me cutuca e solta numa mistura de português com sotaque Kanamari, acabando com o mistério:
- Satelití!!


domingo, 12 de junho de 2011

Conheçam Xochipilli, o príncipe asteca.

Um pouco sobre a América pré-colombiana...
Como se sabe, os Astecas possuíam uma organização social complexa , assim como sua religiosidade.
Uma importante divindade cultuada por este povo era Xochipilli, considerado o príncipe das flores (Xochi = flores; pilli = príncipe), mas também associado às artes, aos jogos, à juventude, ao milho e também às canções.
Esta divindade é representada através de uma belíssima estatueta encontrada próxima a um vulcão em Tlalmanalco no México:

            




Se repararmos na imagem, podemos encontrar diversas espécies vegetais representadas. Richard Evans Schultes, um famoso etnobotânico, identificou as espécies eternizadas na estatueta e as identificou:




Essa é uma pequena amostra do legado científico dos povos ameríndios. Inclusive, diversas espécies indicadas na estatueta são utilizadas por povos indígenas brasileiros. Um tema fascinante e que deve ser socializado, pois a valorização dos povos da América Latina depende da divulgação desses conhecimentos.

domingo, 8 de maio de 2011

O sangue latino de Eduardo Galeano

Nascido em Montevideo 1940, o escritor uruguaio Eduardo Galeano respira América Latina, é um poeta e também um provocador. Sua trajetória como jornalista e escritor começa quando vendeu sua primeira charge aos 14 anos ao jornal socialista El Sol. No começo da década de 60, transitou pelos jornais Marcha e Época, trabalhando neste último como editor. 
Em 1971 publicou As Veias Abertas da América Latina, sua obra mais conhecida e impactante. Nela, faz uma análise crítica da exploração econômica e política sofrida pelos países da América Latina desde o processo de colonização.
Obrigado a deixar o Uruguai devido ao golpe militar em 1973, buscou refúgio na Argentina onde lançou uma revista sobre cultura chamada Crisis. No entanto, em 1976 o golpe militar na Argentina colocou seu nome na lista dos esquadrões de morte e temendo por sua vida, exilou-se na Espanha.
Só voltou ao Uruguai em 1985, quando o país iniciou o processo de redemocratização, vivendo até hoje em Montevideo.
Com várias obras publicadas como a trilogia Memória do fogo (1982-1986), o Livro dos Abraços (1989), Mulheres (1997), O Teatro do Bem e do Mal (2002) e tantas outras que deixo de fora, Galeano é um escritor ímpar, pois consegue trazer à tona, com muita crítica e poesia, episódios que a história oficial ocultou. Definindo-se como "o escritor que remexe no lixão da história mundial", suas obras deveriam ser leitura obrigatória em todos os estabelecimentos de ensino.
" O medo ameaça,
Se você ama, terá AIDS,
Se fuma, terá câncer,
Se respira, terá contaminação,
Se bebe, terá acidentes,
Se come, terá colesterol,
Se fala, terá desemprego,
Se caminha, terá violência,
Se pensa, terá angústia,
Se duvida, terá loucura,
Se sente, terá solidão."
                                           Eduardo Galeano

Acessem o link e assistam ao documentário Sangue Latino:

http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=w8rOUoc_xKc

quarta-feira, 4 de maio de 2011

Ser ou não ser...vegetariano!

Aderi à dieta vegetariana há 3 anos, mas gosto de dizer que "estou" e não que "sou" vegetariana . Apesar de eu simpatizar com o vegetarianismo há muito tempo, enfrentava o dilema que a maioria dos carnívoros enfrenta: como deixar de comer carne?
Confesso que meus filhos me deram um empurrão, pois, num acampamento que fizemos  num sítio Hare Krishna, eles brincaram e interagiram com diversos animais, incluindo os que são comida em potencial. Quando chegamos em casa, ao colocar um frango assado na mesa, fui bombardeada por protestos: como é que eu tinha coragem de colocar um "amigo" na mesa, etc, etc. Esse evento foi decisivo pois a partir daí foi consenso que seguiríamos uma dieta vegetariana.
No começo não foi nada fácil, não pelo fato de substituir a carne por outros alimentos (a literatura e um bom nutricionista ajudam muito) mas pela praticidade que a industrialização nos oferece. Afinal, é mais fácil e rápido fritar um bife do que preparar uma abobrinha.
Mas o que me causa estranheza é a reação de algumas pessoas quando são informadas sobre nossa dieta. Uns ficam indignados, pois acreditam que fomos vítimas de "lavagem cerebral", outros ficam aflitos pois "não sabem o que vão nos dar para comer" e outros acreditam que vou matar meus filhos com uma dieta carente de proteínas...Difícil a conversa...
Creio que qualquer mudança de comportamento provoca reações, mas nunca pensei que a dieta alimentar pudesse causar tanta balbúrdia. Obviamente, não gosto de radicalizar. Qualquer um pode comer carne perto de mim que não vou repreender ou fazer cara feia. Respeito a opção das pessoas e gosto quando respeitam a minha. Agora, quando me perguntam quais os motivos que me levaram à aderir ao vegetarianismo, costumo responder que ele é principalmente político.
Os recursos utilizados pelo mercado da carne são estratosféricos. Só como exemplo, se substituíssemos a área, água e energia utilizada nos pastos e utilizássemos na produção de vegetais, poderíamos alimentar um número maior de pessoas. Outro ponto forte é o tratamento dado aos animais. A maioria fica em situação de confinamento e privação chegando ao limite de praticar canibalismo, fato muito comum entre os suínos, por exemplo. Os criadores solucionam o problema extraindo-lhes os dentes e as caudas. Já as aves têm o bico queimado para que não machuquem umas às outras. Poderia citar aqui uma lista sem fim das torturas praticadas nos abatedouros. Mas não é o caso.
 Não acredito que consumir carne  justifica os maus tratos a esses animais. É essa relação que mais me incomoda, pois ao tratarmos esses seres como meros objetos que devem nos servir, sua "existência" é negada o que facilita o extermínio. Sei como é, já agi assim com cobaias quando realizava pesquisas em laboratório. Transformava-os em objetos para poder trabalhar até o dia em que me dei conta de que eles, assim como eu, estavam "vivos". Difícil é esquecer suas reações...

      

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Que Nhanderu faça com que a verdade e a justiça prevaleçam

Semana difícil, começou agitada. A chegada dos Guarani-kaiowá  do MS , provocou comoção nas comunidades Guarani Mbyá de SP. O motivo: julgamento dos assassinos do cacique Marcos Veron, crime ocorrido em 2003.
Segunda eu estava numa aldeia em SP junto com um companheiro de trabalho, conversando com algumas lideranças, quando toca meu celular e uma amiga que estava no TJ acompanhando o julgamento pede para perguntarmos  se seria possível os Kaiowá  ficarem alojados na aldeia. Imaginamos que seria complicado acomodá-los, uma vez que eram 26 pessoas, incluindo algumas crianças. Mas novamente os Guarani Mbyá nos surpreenderam: imediatamente se articularam e disseram que sim, que poderiam recebê-los sem problema nenhum.
O que comove é a extrema solidariedade que presenciamos, pois apesar dos recursos escassos, os Guarani Mbyá fizeram o possível para receber seus parentes do MS com um jantar e com um carinho especial.
Estamos apreensivos, pois como me perguntou um amigo:
- Será que um dia, um matador de índio será punido nesse país??
É aterrorizante, mas o Estado do MS está promovendo um verdadeiro genocídio contra os Guarani-kaiowá. Acampados em beiras de estradas e numa situação de extrema vulnerabilidade, esse povo vem sofrendo perdas irreparáveis. Várias lideranças foram assassinadas brutalmente em decorrência de conflitos de terras e o sentimento anti-indígena na região borbulha. Tanto é que o MPF pediu a transferência do julgamento para SP por ficar em dúvida quanto à isenção dos jurados locais, uma vez que os fazendeiros tem grande influência na região.
Os dias estão sendo tensos, mas vamos esperar e acreditar que a justiça prevaleça!!
O cacique Marcos Veron, 72 anos, assassinado em 12 de janeiro de 2003

domingo, 30 de janeiro de 2011

BBB de indigenistas

Tive que sumir um tempo do blog. Motivo: ficar trancada numa chácara ministrando um curso de formação de indigenistas. Indigenistas trabalham com comunidades indígenas e, nesse caso, os cursistas eram provenientes de todos os cantos do Brasil.
Experiência bacana, já que pude ter uma idéia da situação vivida pelos povos indígenas que habitam os lugares que consideramos os mais ermos do país. Mas outra hora escrevo sobre isso.
O que é muito curioso e todo ano observo a mesma coisa (já é o quarto..rs), é a reação dos "confinados". Só para esclarecer: o curso dura 20 dias e o conteúdo é bem denso. Assim, as pessoas passam por várias fases, que eu classifico em 6:

Fase 1 - Todo mundo acha bacana, novidades são sempre legais.
Fase 2 - O curso começa a pesar, o companheiro de quarto já não é tão legal assim.
Fase 3 - As obrigações diárias vão ficando insuportáveis, as panelas vão se formando.
Fase 4 - Os conflitos começam: discussões acaloradas, valores colocados à prova.
Fase 5 - Surtos, choros, sensação de impotência ao extremo.
Fase 6 - Recuperação lenta (após nossas orientações e tentativas de convencê-los da importância do papel de cada um..) e retomada da confiança no trabalho.

Felizmente, quando chega o momento de voltar para suas casas e seus trabalhos, o pessoal já está mais tranquilo e confiante. No entanto, é curioso analisar o comportamento humano em situações diferenciadas. Fico imaginando como deve ser vivenciar uma situação limite como uma guerra civil, um desastre natural (como o que ocorreu no RJ). Aliados à privações, o confinamento e a sensação de impotência tornam-se uma verdadeira bomba relógio, onde as emoções se sobrepõem à racionalidade. Não foi à toa que os mineiros do Chile impressionaram...