sábado, 4 de dezembro de 2010

Darwin, o gênio em conflito

Sou uma grande admiradora de Darwin e quero compartilhar este artigo que escrevi durante as comemorações dos 150 anos da teoria da evolução que ocorreram em 2009:
Charles Robert Darwin foi provavelmente o naturalista mais polêmico que já existiu. Este cientista britânico fundou as bases da teoria moderna da evolução e mudou todo o pensamento contemporâneo.
Nasceu em 12 de fevereiro de 1809, filho do médico Robert Darwin e de Susannah Wedgood Darwin, que faleceu quando o naturalista tinha apenas oito anos.  Desde cedo Darwin demonstrou interesse pelas ciências naturais, colecionando insetos (principalmente besouros, sua grande paixão), conchas e pedras, além de realizar observações geológicas e botânicas. Cursou medicina por um breve período, exclusivamente para agradar ao pai. No entanto, as práticas cirúrgicas realizadas sem anestesia (ainda não descoberta na época) lhe causavam verdadeira repulsa. Em 1825, como não se mostrara um aluno muito exemplar, o pai retirou-o da faculdade de medicina, período em que as relações entre pai e filho ficaram abaladas:
“Meu pai me disse uma vez algo que me magoou profundamente:
- Você  será uma desgraça para si mesmo e sua família.”
            Como a família era religiosa, o pai sugeriu então que se tornasse pastor e, para isso, era necessário concluir a Universidade. Foi enviado à Cambridge, onde se encantou com os estudos de botânica do professor John Stevens Henslow, com quem estabeleceu uma longa amizade e que posteriormente o informaria sobre a viagem que mudaria sua vida.

Em 27 de dezembro de 1831, indicado pelo professor Henslow, o naturalista embarcou no H.M.S. Beagle, navio comandado pelo capitão Fitz-Roy numa viagem ao redor do mundo que duraria cinco anos, cujo objetivo era observar e estudar as características geológicas e naturais dos locais visitados. Contudo, o mau gênio do capitão e suas idéias preconceituosas dificultaram a convivência a bordo. Darwin era abolicionista convicto e diversas vezes travou discussões acaloradas com Fitz-Roy por este ser a favor da escravidão.
Apesar de obscura, a passagem de Darwin pelo Brasil foi muito significativa. O naturalista esteve por aqui no ano de 1832, permanecendo alguns meses reunindo uma grande coleção entomológica e realizando inúmeras observações sobre a fauna e a flora, que o impressionaram muito.
No entanto, foi a visão da escravidão que o marcou, deixando-o horrorizado. Impressão esta que jamais se extinguiu:
“Perto do Rio de Janeiro eu morava em frente à casa de uma velha senhora que mantinha torniquetes de metal para esmagar os dedos de suas escravas. Eu fiquei em uma casa em que um jovem caseiro mulato, diariamente e de hora em hora, era vituperado, espancado e perseguido o suficiente para arrasar com o espírito de qualquer animal. Eu vi um garotinho, de seis ou sete anos, ser castigado três vezes na cabeça com um chicote para cavalo (antes que eu pudesse interferir) por ter-me servido um copo d’água que não estava muito limpo”.  
Em agosto de 1836, devido a ventos contrários, o Beagle voltou ao Brasil, onde permaneceu atracado alguns dias. Ao deixar o Brasil no mesmo mês, o naturalista desabafa:
“Dou graças a Deus e espero nunca mais visitar um país escravocrata”.
A viagem realizada à América do Sul e a exuberância da paisagem marcaram o jovem :
“Vêm-me agora à lembrança a luxuriosa vegetação dos trópicos e também a grandiosidade dos extensos desertos da Patagônia e das montanhas revestidas de vegetação da Terra do Fogo, que tanto me encantaram deixando em mim uma impressão indelével”.
Foi durante o período em que viajou a bordo do Beagle, sobretudo a permanência em Galápagos, que Darwin acumulou dados e conhecimentos para lançar, em novembro de 1859, uma das obras mais polêmicas do século XIX : A Origem das Espécies.
Mas afinal, por que a “Origem” incomoda até hoje?
A teoria da evolução propõe que todas as espécies existentes surgiram,  a partir de ancestrais comuns, podendo sofrer modificações ao longo do tempo, sendo a seleção natural  o principal agente sobre as variações individuais. Assim, as variações favoráveis à manutenção da espécie tendem a se manter, enquanto variações desfavoráveis tendem a desaparecer.
Ao admitir que as espécies não são imutáveis, ou seja, que sofrem transformações ao longo do tempo originando novas formas de vida, a teoria da evolução mexe na ferida narcísica da humanidade, pois o homem  deixa de ser o centro do universo. Dessa forma, Darwin nos tira do mundo divino, colocando o homem no mesmo patamar das demais espécies, rechaçando sua arrogância e superioridade em relação aos outros seres vivos, conflitando com a doutrina criacionista.
É importante ressaltar que a evolução não é programada, ou seja, ela ocorre aleatoriamente, não caminha para uma direção, nem finalidade. Uma espécie não evolui para melhor nem para pior, simplesmente sobrevive a mais adaptável ao meio. Nas palavras do próprio Darwin:
“Não é o mais forte que sobrevive, nem o mais inteligente, mas o que melhor se adapta as mudanças”.
Não é preciso ressaltar o impacto que a “Origem” provocou ao ser publicada. Em conflito (inclusive com a esposa Emma Wedgood que era muito religiosa) e doente, Darwin esperou 20 anos para publicar sua grande obra, pois tinha plena consciência da polêmica que causaria. A respeito das críticas que recebeu, comentou:
“Considerando a ferocidade com que tenho sido atacado pelos ortodoxos, parece cômico que alguma vez pensara em ser clérigo. Não sinto remorso de haver cometido pecado grave algum. Quanto aos meus sentimentos religiosos, acerca dos quais tantas vezes me têm perguntado, considero-os como assunto que a ninguém possa interessar senão a mim mesmo. Posso adiantar, porém que não me parece haver qualquer incompatibilidade entre a aceitação da teoria evolucionista e a crença em Deus.”
Incompreendido por muitos, Darwin faleceu em 19 de abril de 1882 devido a complicações cardíacas nos deixando um grande legado.
Tabu, inclusive nos meios acadêmicos, a Origem das Espécies é uma obra atemporal, que nos remete a uma profunda reflexão sobre o destino de todas as espécies, sobretudo a humana, propondo uma mudança nos paradigmas da modernidade.


Para saber mais:
- A Origem das espécies. Ed. Escala. 2009.
- Autobiografía. Ed. Alianza Cien. 1993.
- A expressão das emoções no homem e nos animais. Cia. das Letras. 2000.

3 comentários:

  1. Lu não se pode negar a evolução ,mas a fé nos remete a um ser superior criador de tudo que existe e que nos criou à sua imagem e semelhança e que nos ama e quer que amemos o próximo como a nós mesmos.Sei também que nós humanos não sabemos ser humano e muitas vezes os animais nos surpreende com ações mais humanas que as nossas.

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  2. Mãe, não vou discutir fé, pois esta é inquestionável. No entanto, não concordo quando os dogmas limitam o livre pensamento. Inclusive Darwin, que era religioso, foi muito perseguido pelos ortodoxos, provavelmente porque estes se sentiram ameaçados. Os ateístas ainda hoje são mal vistos e muitas vezes discriminados quando se posicionam (muitos não se revelam). Por que eles incomodam tanto?
    Creio que as últimas eleições no Brasil nos deixaram muito claro que vivemos ainda num Estado teocrático, em que a religião influi nas diretrizes políticas, sociais e em questões de saúde pública, engessando debates e decisões importantes.

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