sexta-feira, 30 de novembro de 2012

Uma música que deseja ser ouvida


São constantes as queixas sobre a baixa qualidade musical que circula por aí.  Mas quem define o que é bom e o que não é? O ouvinte? As pessoas podem e devem ouvir o que quiserem, mas o problema é que, em várias situações, música boa não chega. O famoso "jabá" invade tudo: rádio, novela, comercial, meio de transporte, nosso cérebro e até o mundo da pirataria. Será que acho facilmente um cd pirata do Francisco Aafa? Creio que não.
Esse cara tem uma voz incrível, doce e forte ao mesmo tempo. Apesar de ser piauiense, mora em Goiás há muito tempo e tem um amplo destaque cultural por lá. Em 1986, participou da faixa "Arrumação" do célebre  disco "Cantoria II", ao lado de Elomar, Geraldo Azevedo, Vital Farias e Xangai. 
A letra  maravilhosa, de autoria de Elomar, retrata os rincões do Brasil, o sertão mais profundo e desconhecido pela maioria. Uma pena essa pérola não virar "jabá".




Arrumação (Letra - Elomar ,Interpretação- Francisco Aafa)

Josefina sai cá fora e vem vê
Olha os forro ramiado vai chuvê
Vai trimina riduzi toda criação
Das bandas de lá do ri gavião
Chiquera pra cá já roncô o truvão
Futuca a tuia, pega o catadô
Vamo plantá o feijão no pó
Mãe prudença inda num cuieu o ai
O ai roxo dessa lavora tardã
Diligença pega o pano cum balai
Vai cum tua irmã, vai num rumo só
Vai cuiê o ai, o ai da tua avó
Lua nova sussuarana vai passá
Sêda branca, na passada ela levô
Ponta d'unha, lua fina risca no céu
A onça prisunha, a cara de réu
O pai do chiquêro a gata comeu
Foi um trovejo c'ua zagaia sõ
Foi tanto sangue de dá dó
Os cigano já subiro bêra ri
É só danos, todo ano nunca vi
Paciência, já num guento a pirsiguição
Já sô caco véi nesse meu sertão
Tudo que plantei foi só pra ladrão.

terça-feira, 21 de agosto de 2012

Pra quem gosta de folclore

Personagem forte do folclore brasileiro, o saci povoa o nosso imaginário e existem diversas versões do mito pelo Brasil afora. Folheando um livro sobre folclore do Alceu Maynard Araújo que tenho desde criança, me deparo com um texto sobre o Saci, que adoro. Reproduzo na íntegra pra quem gosta de folclore:

" Em São Luiz do Paraitinga, o Major Benedito de Sousa Pinto afirmou: "Conhecemos três espécies de saci: trique, saçurá e pererê. O Saci mais encontrado por aqui é o Saci-pererê. É um negrinho de uma perna só, capuz vermelho na cabeça e que, segundo alguns, usa cachimbo, mas eu nunca o vi. É comum ouvir-se no mato um "trique", isso é sinal que por ali deve estar um Saci-trique. Ele não é maldoso, gosta só de fazer certas brincadeiras como, por exemplo, amarrar o rabo de animais.
O Saçurá é um negrinho de olhos vermelhos; o Trique é moreninho e com uma perna só; o Pererê é um pretinho que, quando quer se esconder, vira um corrupio de vento e desaparece no espaço. Para se apanhar o pererê, atira-se um rosário sobre o corrupio de vento.
"Quando se perde qualquer objeto, pega-se uma palha e dá-se três nós, pois se está amarrando o "pinto" (pênis) do saci. Enquanto ele não achar o objeto, não desatar os nós. Ele logo faz a gente encontrar o que se perdeu porque fica com vontade de urinar (Amaro de Oliveira Monteiro).
Quando se vê um rabo de cavalo amarrado, foi o saci quem deu o nó. Tirando-se o gorrinho do saci-pererê, ele trará para quem lhe devolva, tudo o que quiser.
Quando passar o redemoinho de vento, jogando-se nele um garfo sai o sangue do saci. Outras versões: jogando-se um rosário o saci fica laçado; jogando-se a peneira, fica nela."
Também costuma-se ouvir o assovio do saci no meio do mato. À noite, adora  trançar as crinas dos cavalos, deixando-os totalmente embaraçados.
 Figura controversa e anárquica, o Saci ganhou as ruas da grande São Paulo e se destaca no cenário urbano através da obra do grafiteiro Thiago Vaz.


Mais:

ARAUJO, Alceu Maynard. Folclore Nacional. vol 1 - Festas, bailados, mitos e lendas. Edições Melhoramentos. 1964.

Saci urbano: 

Sociedade dos observadores do Saci
http://www.sosaci.org/




segunda-feira, 20 de agosto de 2012

O "Velho Oeste" é aqui!


Os tempos são difíceis. As últimas  tentativas de desmonte dos direitos indígenas através da PEC 215 e da Portaria 303 da AGU deram munição aos setores antiindígenas da sociedade. Os constante ataques às comunidades indígenas, sobretudo os Guarani-Kaiowá e o atropelo das grandes obras do setor energético estão solapando direitos adquiridos. Escrevi  algumas vezes sobre a grave situação dos Guarani-Kaiowá neste blog. Mas os avanços são praticamente nulos.

No dia 10-08-2012, durante a retomada de uma terra tradicional já homologada pelo governo, os indígenas foram atacados por pistoleiros. Saldo: uma criança morta e um  indígena desaparecido, além do grupo ser submetido à tortura física e psicológica por gente que defende com armas, unhas e dentes o direito à propriedade. 
No último fim de semana, circulou uma notícia em que um fazendeiro conhecido como "Lenço Preto" anuncia uma verdadeira guerra no MS nos próximos dias. Recheado de jargões como "eles querem terra só para incomodar", o discurso é o retrato da visão estereotipada de que "há muita terra para pouco índio".




Como a certeza da impunidade paira no ar, afinal de contas o "Paraguai é logo ali", nada mais seguro do que contratar pistoleiros da país vizinho. É assustador como essas manifestações escancaradas de ódio e racismo são cada vez mais comuns. 
Volto a repetir os escritos de outro post meu:
A ação de milícias armadas travestidas de empresas de segurança, contratadas por fazendeiros no MS contra homens, mulheres e crianças desarmados e que estão apenas fazendo valer seu direito é inadmissível. Esse poder paralelo, que vem intimidando até agente da Polícia Federal, está a serviço do “direito à propriedade”, jargão aclamado por muitos. Afinal, o discurso do agronegócio está sempre atrelado à “eficiência” e “produtividade”, necessários ao “desenvolvimento” do país. É um discurso que  cola, pois como se encontra intimamente ligado a valores patriarcais e moralistas,  a concentração fundiária signifca poder e honra.
O avanço das fronteiras agrícolas no país, seja para monocultura de soja, cana ou criação de gado está transformando o ambiente e provocando um verdadeiro genocídio entre os Kaiowá. Inseridos no rol dos refugiados ambientais, os Guarani-Kaiowá são expulsos de seus territórios tradicionais e lançados a situações degradantes e de extrema vulnerabilidade, com violações de todo tipo.  
Não podemos ser coniventes. No entanto, quando se trata de um coletivo ameaçado, como é o caso, a resposta muitas vezes é o silêncio. É urgente que as pessoas se mobilizem, coloquem a questão em pauta, cobrem do poder público, além de  discutir os atuais padrões de consumo. Caso contrário, vamos assistir passivamente, assoviando e chupando cana, o extermínio de outros líderes indígenas.

quarta-feira, 20 de junho de 2012

Rio + 20: por trás da festa

Não consegui chegar ao Riocentro hoje. Até que era previsto, mas não custava tentar...Aliás, os Kayapó também tentaram, foram barrados e voltaram para a Cúpula dos Povos indignados:
- Por que não deixaram a gente entrar??
Para a situação não ficar pior, mandaram o secretário de governo no final da tarde para acalmar os ânimos.

Raoni conversa com secretário do governo (foto: Luciana Galante)
Essa é uma das faces da Rio + 20, que negou o acesso de representantes das organizações socias, entre outras questões. Uma delas é que o Governo cedeu às pressões do Vaticano e tirou a expressão "direitos reprodutivos" do texto final, que designa a autonomia da mulher de decidir quando poderia ter filhos. Um balde de água fria para o movimento feminista. 
Se, por um lado, o Governo cede à pressões, por outro, se mostra irredutível com os movimentos sociais  e tenta amenizar as inúmeras denúncias realizadas por estes na Cúpula dos Povos.
Além disso, parece que a Cúpula e os movimentos sociais vem sofrendo um pequeno boicote.
No melhor estilo de "como desmobilizar as organizações", os ambulantes mal circulam pela Cúpula: comer algo parece tarefa impossível (mesmo ambulantes credenciados sofreram pressão para deixar o espaço) e iluminação não existe na área (mesmo com plenárias funcionando à noite). No entanto, os movimentos resistem, exigem um novo paradigma de desenvolvimento e que a privatização dos recursos naturais, travestida de "economia verde" seja escancarada.

Os Guarani-Kaiowá exigem respostas (foto: Luciana Galante)




terça-feira, 19 de junho de 2012

Desenho humano na Cúpula dos Povos - Rio + 20

 Animados e com a esperança que lhes é característica, os indígenas presentes no IX Acampamento Terra Livre decidiram marchar novamente. A Cúpula dos Povos na Rio + 20 está tomada por um colorido, por uma diversidade humana e uma força que há tempos não se via. 

O colorido dos artesanatos (foto: Luciana Galante)

Povos do mundo inteiro estão denunciando a devastação em seus territórios, a criminalização de seus movimentos e a pressão que sofrem por parte dos diversos atores envolvidos nos saques às suas terras e recursos.
Dar visibilidade ao movimento e à presença indígena era uma das metas quando decidiram em assembleia a realização do ato que foi realizado hoje na praia do Flamengo. 
Presença Xavante (foto: Luciana Galante)
A marcha firme, contou entoação de cantos que encorajavam os manifestantes e atenuavam o cansaço. Afinal, há dias que as delegações indígenas estão reunidas na Cúpula dos Povos, enfrentando uma verdadeira maratona de denúncias, propostas e elaboração de documentos. 

Não faltaram bandeiras (foto: Luciana Galante)

A força dos cantos encorajando a marcha (foto: Luciana Galante)


A religiosidade dos Guarani-Kaiowá (foto: Luciana Galante)
 O enorme grupo que se dirigia rumo à praia do Flamengo, chamou a atenção de toda a Cúpula dos Povos e da mídia, é claro. A manifestação culminou na formação de um enorme"banner humano" cujo mote era  questionar o modelo energético atual e atentar para a necessidade de garantir  aos indígenas os  seus territórios, seus recursos naturais bem como sua sobrevivência física e cultural.

Disposição (foto: Luciana Galante)

Compondo a imagem (foto: Luciana Galante)
Finalmente, após a organização dos manifestantes, uma belíssima imagem foi composta:


O "banner" (foto: AFP)
Apesar de todo o interesse midiático, esperamos que representantes governamentais  se sensibilizem com as questões e apontem para um novo rumo em que a diversidade cultural seja respeitada e não tratada como obstáculo ao "desenvolvimento".



segunda-feira, 18 de junho de 2012

Rio+20 - Marcha dos Povos

Hoje foi a vez dos povos indígenas tomarem as ruas do Rio. Após uma ampla discussão sobre os impactos em seus territórios provocados pelas grande obras, pelas mineradoras e pelo agronegócio, decidiram em Assembleia que era hora de ir para as ruas e chamar a atenção para a causa.

Indígenas decidem pela marcha em assembleia (foto: Luciana Galante)
Os problemas que denunciam são emblemáticos, uma vez que por trás do discurso do "desenvolvimento sustentável" e da "economia verde" há uma verdadeira usurpação e apropriação dos recursos de uso comum como água, alimentos e, claro, território.

Guarani-Kaiowá denunciam o genocídio no Mato Grosso do Sul (foto Luciana Galante)
A marcha ocorreu rumo ao BNDES, um dos grandes financiadores de projetos que impactam as áreas indígenas como as hidrelétricas de Belo Monte, Jirau e Santo Antônio. 
Preocupados com a PEC - 215 (foto: Luciana Galante)

Os Guarani - Kaiowá exigem respostas (foto: Luciana Galante)

A força Kayapó (foto: Luciana Galante)

Yanomami: presença fundamental (foto: Luciana Galante)

Manifesto em frente ao BNDES (foto: Luciana Galante)

Os maracás: religiosidade e resistência (foto: Luciana Galante)

Juntos na marcha (foto: Luciana Galante)
O vice-presidente do BNDES, João Carlos Ferraz, se reuniu com um grupo de 12 lideranças indígenas que apresentou os impactos sofridos por suas comunidades com a execução dessas obras.
Com o objetivo de solucionar o problema, foi criada uma comissão para levantar os problemas causados pelos empreendimentos financiados pelo banco e que afetam as comunidades indígenas. Ainda não é a solução, mas não deixa de ser uma conquista para o movimento. A luta continua, sempre.


domingo, 17 de junho de 2012

"SOMOS POVO DA FLORESTA!!"


A plenária sobre energia e indústrias extrativistas que aconteceu hoje na Cúpula dos Povos da Rio+20, contou com a presença de delegações indígenas de vários países como México, Guatemala, Peru, Canadá, Brasil, Bolívia.

Líderes denunciam devastação em seus territórios (foto: Luciana Galante)


 A denúncia se assemelha: a mineração e a demanda por energia vem assolando comunidades, privando-as de recursos de uso coletivo como água e território. Não bastasse, muitas são contaminadas com metais pesados e sofrem violência direta por parte dos extratores. As perspectivas não são nada favoráveis, uma vez que possivelmente teremos um aumento significativo do contingente de refugiados ambientais nos próximos anos. Estes, desprovidos de seus referenciais territoriais, são obrigados a deixar suas regiões e migrar para áreas que nunca em ocupar antes.
Indígena canadense denuncia ação de mineradora  (foto: Luciana  Galante)
Para essas comunidades, isso significa uma ruptura irreparável em seu modo de vida. Sem os seus referenciais ambientais, são impedidas inclusive de exercerem sua espiritualidade e obrigadas a ressignificar outros espaços quando possível, claro.
Um depoimento me chamou muito a atenção. Foi um Yanomami, o líder Masi, quem atentou para práticas realizadas na história do Brasil quinhentista:
“ O Governo Federal precisa conhecer nossos lugares, conhecer a nossa casa, ver a nossa cara e falar na nossa cara que vai fazer barragem. O Governo precisa respeitar nossos xamãs. Nossos xamãs precisam da nossa floresta em pé. Na fronteira com a Venezuela, mineradores estão matando nossos parentes. A FUNAI está vendo isso. Nós não temos muitas informações, mas sabemos que os garimpeiros deram arroz com veneno para os nosso parentes. Eu sou Yanomami, eu sou povo da floresta e o Governo tem que ouvir a gente!!!”

Masi, líder Yanomami (foto: Luciana Galante)
Nos resta somar força à denúncias desse tipo. Práticas extrativistas que atentam contra a integridade física e cultural dessas comunidades e violam o sagrado sem o menor escrúpulo, jamais podem ser chamadas de “desenvolvimento” e, muito menos, “sustentável”.