Não consegui chegar ao Riocentro hoje. Até que era previsto, mas não custava tentar...Aliás, os Kayapó também tentaram, foram barrados e voltaram para a Cúpula dos Povos indignados:
- Por que não deixaram a gente entrar??
Para a situação não ficar pior, mandaram o secretário de governo no final da tarde para acalmar os ânimos.
Raoni conversa com secretário do governo (foto: Luciana Galante)
Essa é uma das faces da Rio + 20, que negou o acesso de representantes das organizações socias, entre outras questões. Uma delas é que o Governo cedeu às pressões do Vaticano e tirou a expressão "direitos reprodutivos" do texto final, que designa a autonomia da mulher de decidir quando poderia ter filhos. Um balde de água fria para o movimento feminista.
Se, por um lado, o Governo cede à pressões, por outro, se mostra irredutível com os movimentos sociais e tenta amenizar as inúmeras denúncias realizadas por estes na Cúpula dos Povos.
Além disso, parece que a Cúpula e os movimentos sociais vem sofrendo um pequeno boicote.
No melhor estilo de "como desmobilizar as organizações", os ambulantes mal circulam pela Cúpula: comer algo parece tarefa impossível (mesmo ambulantes credenciados sofreram pressão para deixar o espaço) e iluminação não existe na área (mesmo com plenárias funcionando à noite). No entanto, os movimentos resistem, exigem um novo paradigma de desenvolvimento e que a privatização dos recursos naturais, travestida de "economia verde" seja escancarada.
Os Guarani-Kaiowá exigem respostas (foto: Luciana Galante)
Animados e com a esperança que lhes é característica, os indígenas presentes no IX Acampamento Terra Livre decidiram marchar novamente. A Cúpula dos Povos na Rio + 20 está tomada por um colorido, por uma diversidade humana e uma força que há tempos não se via.
O colorido dos artesanatos (foto: Luciana Galante)
Povos do mundo inteiro estão denunciando a devastação em seus territórios, a criminalização de seus movimentos e a pressão que sofrem por parte dos diversos atores envolvidos nos saques às suas terras e recursos.
Dar visibilidade ao movimento e à presença indígena era uma das metas quando decidiram em assembleia a realização do ato que foi realizado hoje na praia do Flamengo.
Presença Xavante (foto: Luciana Galante)
A marcha firme, contou entoação de cantos que encorajavam os manifestantes e atenuavam o cansaço. Afinal, há dias que as delegações indígenas estão reunidas na Cúpula dos Povos, enfrentando uma verdadeira maratona de denúncias, propostas e elaboração de documentos.
Não faltaram bandeiras (foto: Luciana Galante)
A força dos cantos encorajando a marcha (foto: Luciana Galante)
A religiosidade dos Guarani-Kaiowá (foto: Luciana Galante)
O enorme grupo que se dirigia rumo à praia do Flamengo, chamou a atenção de toda a Cúpula dos Povos e da mídia, é claro. A manifestação culminou na formação de um enorme"banner humano" cujo mote era questionar o modelo energético atual e atentar para a necessidade de garantir aos indígenas os seus territórios, seus recursos naturais bem como sua sobrevivência física e cultural.
Disposição (foto: Luciana Galante)
Compondo a imagem (foto: Luciana Galante)
Finalmente, após a organização dos manifestantes, uma belíssima imagem foi composta:
O "banner" (foto: AFP)
Apesar de todo o interesse midiático, esperamos que representantes governamentais se sensibilizem com as questões e apontem para um novo rumo em que a diversidade cultural seja respeitada e não tratada como obstáculo ao "desenvolvimento".
Hoje foi a vez dos povos indígenas tomarem as ruas do Rio. Após uma ampla discussão sobre os impactos em seus territórios provocados pelas grande obras, pelas mineradoras e pelo agronegócio, decidiram em Assembleia que era hora de ir para as ruas e chamar a atenção para a causa.
Indígenas decidem pela marcha em assembleia (foto: Luciana Galante)
Os problemas que denunciam são emblemáticos, uma vez que por trás do discurso do "desenvolvimento sustentável" e da "economia verde" há uma verdadeira usurpação e apropriação dos recursos de uso comum como água, alimentos e, claro, território.
Guarani-Kaiowá denunciam o genocídio no Mato Grosso do Sul (foto Luciana Galante)
A marcha ocorreu rumo ao BNDES, um dos grandes financiadores de projetos que impactam as áreas indígenas como as hidrelétricas de Belo Monte, Jirau e Santo Antônio.
Preocupados com a PEC - 215 (foto: Luciana Galante)
Os Guarani - Kaiowá exigem respostas (foto: Luciana Galante)
A força Kayapó (foto: Luciana Galante)
Yanomami: presença fundamental (foto: Luciana Galante)
Manifesto em frente ao BNDES (foto: Luciana Galante)
Os maracás: religiosidade e resistência (foto: Luciana Galante)
Juntos na marcha (foto: Luciana Galante)
O vice-presidente do BNDES, João Carlos Ferraz, se reuniu com um grupo de 12 lideranças indígenas que apresentou os impactos sofridos por suas comunidades com a execução dessas obras.
Com o objetivo de solucionar o problema, foi criada uma comissão para levantar os problemas causados pelos empreendimentos financiados pelo banco e que afetam as comunidades indígenas. Ainda não é a solução, mas não deixa de ser uma conquista para o movimento. A luta continua, sempre.
A plenária sobre energia e indústrias extrativistas que
aconteceu hoje na Cúpula dos Povos da Rio+20, contou com a presença de
delegações indígenas de vários países como México, Guatemala, Peru, Canadá,
Brasil, Bolívia.
Líderes denunciam devastação em seus territórios (foto: Luciana Galante)
A denúncia se assemelha: a mineração e a demanda por energia
vem assolando comunidades, privando-as de recursos de uso coletivo como água e
território. Não bastasse, muitas são contaminadas com metais pesados e sofrem
violência direta por parte dos extratores. As perspectivas não são nada
favoráveis, uma vez que possivelmente teremos um aumento significativo do
contingente de refugiados ambientais nos próximos anos. Estes, desprovidos de
seus referenciais territoriais, são obrigados a deixar suas regiões e migrar
para áreas que nunca em ocupar antes.
Indígena canadense denuncia ação de mineradora (foto: Luciana Galante)
Para essas comunidades, isso significa uma ruptura irreparável
em seu modo de vida. Sem os seus referenciais ambientais, são impedidas inclusive
de exercerem sua espiritualidade e obrigadas a ressignificar outros espaços
quando possível, claro.
Um depoimento me chamou muito a atenção. Foi um Yanomami,
o líder Masi, quem atentou para práticas realizadas na história do Brasil
quinhentista:
“ O Governo Federal
precisa conhecer nossos lugares, conhecer a nossa casa, ver a nossa cara e
falar na nossa cara que vai fazer barragem. O Governo precisa respeitar nossos
xamãs. Nossos xamãs precisam da nossa floresta em pé. Na fronteira com a Venezuela,
mineradores estão matando nossos parentes. A FUNAI está vendo isso. Nós não
temos muitas informações, mas sabemos que os garimpeiros deram arroz com veneno
para os nosso parentes. Eu sou Yanomami, eu sou povo da floresta e o Governo
tem que ouvir a gente!!!”
Masi, líder Yanomami (foto: Luciana Galante)
Nos resta somar força à denúncias desse tipo. Práticas
extrativistas que atentam contra a integridade física e cultural dessas
comunidades e violam o sagrado sem o menor escrúpulo, jamais podem ser chamadas
de “desenvolvimento” e, muito menos, “sustentável”.
Após a abertura do Acampamento Terra Livre, na Cúpula dos Povos, no Rio de Janeiro, um batalhão de fotógrafos estava seguindo uma pessoa que adentrava ao Auditório 33 onde estavam algumas centenas de indígenas de todo o Brasil. Antonio Patriota, ministro das Relações Exteriores, veio dar uma olhada apenas no evento. Mas foi convidado pelos índios a dar uma palavra aos presentes. Deixou escapar o que parece ser a grande preocupação do governo: tentar convencer o mundo de que no Brasil é possível conjugar desenvolvimento com proteção ambiental.
Para os povos indígenas esse esforço do governo brasileiro é em vão. É apenas uma retórica fantasiosa ( para não dizer mentirosa) onde a onda de desenvolvimentismo, uma vez mais tem os povos indígenas como maiores vítimas. Basta olhar o descalabro e o caos em que estão a saúde e educação indígena e mais grave ainda a total falta de uma política de produção de alimentos, de acordo com a lógica das economias indígenas. Prefere-se institucionalizar a dependência através das cestas básicas.
Logo após as breves palavras do ministro Antonio Patriota, Otoniel Kaiowá Guarani do Mato Grosso do Sul pegou o microfone para dizer exaltado. “Demarquem nossas terras. É bom o senhor estar aqui. Queremos a demarcação de nossas terras urgente. Não adianta falar em economia e proteção ambiental para nós, o que queremos e precisamos que o governo demarque as nossas terras”.
Acampamento Terra Livre
“A salvação do planeta está na sabedoria ancestral dos povos indígenas”, consta no folder da programação do IX Acampamento Terra Livre, organizado pela Articulação dos Povos Indígena do Brasil, e que se integra com agendas, participação e contribuições dos povos indígenas do continente Abya Yala. Durante uma semana serão debatidos os grandes temas que desafiam a humanidade hoje e em especial os povos indígenas do mundo. Serão feitos mobilizações, rituais, debates e elaborado um documento que expressa a posição do movimento indígena mundial diante da grave crise em que o sistema capitalista é uma ameaça à sobrevivência da vida no planeta.
“O respeito aos povos indígenas requer valorizar a sua contribuição na formação social do Estado nacional e reconhecer o papel estratégico que os territórios indígenas tem desenvolvido milenarmente na preservação do meio ambiente, na proteção da biodiversidade e na solução dos problemas que hoje ameaçam a vida no planeta”
Essas atividades dos povos indígenas previstas para os próximos dias fazem parte dos mais de 3 mil eventos que estão previstos.
Mandantes do assassinato de Nisio Gomes, na cadeia
Foi deflagrada operação de prisão dos mandantes e envolvidos no assassinado do cacique Nisio Gomes, conforme noticiou a imprensa de Campo Grande. O cacique foi assassinado em novembro último passado na Terra Indígena Guayviri, no município de Aral Moreira, no Mato Grosso do Sul. Mesmo que o anúncio da operação tenha sido estrategicamente feito no decorrer da Cúpula dos Povos e Rio + 20, o que se espera é agilidade da justiça para punir os responsáveis de dezenas de lideranças assassinadas e que permanecem na total impunidade. Além do mais não se tem ainda informações sobre o corpo do Nisio e do professor Rolindo. Que a prisão dos mandantes abra caminho para a localização dos corpos.
Senti uma baita necessidade de escrever esse post depois que assisti o filme " Violeta foi ao céu" (Violeta se fue a los cielos), uma biografia da multiartista chilena Violeta Parra. Não vou fazer uma resenha sobre o filme, mas há uma passagem do mesmo em que o "angelito" merece destaque. Dá-se o nome de "angelito" às crianças que falecem antes de completar três anos e, segundo as tradições do campo chileno, o velório do "angelito" é uma das principais instâncias do canto ao divino. Essa prática também pode ser encontrada em algumas regiões do Uruguai e Argentina.
A cerimônia conta com diversos cantos e rezas em meio a incensos. Há também uma ceia que ocorre à meia-noite e a construção de uma espécie de altar onde o corpinho da criança é vestido como um anjo: colocam uma túnica e o adornam com asas para que faça sua viagem aos céus. Ás vezes o corpinho é colocado de pé ou sentado, com as mãos juntas segurando um ramo de flores brancas. O ritual é acompanhado por cânticos, rezas e, em algumas ocasiões, com um baile conhecido como balambo.
Pode nos parecer estranho e de mau gosto mas, um ritual desses diviniza o angelito e atenua a dor. Pura, a criança é livre de pecados e ascende diretamente aos céus. No entanto, não é recomendável chorar, pois as lágrimas podem molhar as asas do "angelito" e dificultar sua viagem.
Violeta Parra perdeu sua filha ainda bebê e transformou sua dor numa fabulosa canção chamada "Rin del Angelito" disponível no vídeo abaixo, cujas cenas são do filme chileno "Largo Viaje" , de 1967, que retrata o velório de um angelito.
Mas afinal, por que a necessidade de escrever sobre isso?
O filme me remeteu à situações que vivenciei, trabalhando com as populações indígenas. Infelizmente, presenciei a morte de alguns angelitos indígenas e foram momentos muito difíceis. Porém, uma delas ficou cravada na memória: minha primeira viagem à uma aldeia Kulina no AM. Foi um verdadeiro batismo de fogo.
Ao chegar na aldeia vimos que uma mãe Kulina estava muito aflita, pois sua bebê de apenas 1 ano encontrava-se muito desidratada. Provavelmente devido à uma virose que havia contraído. Como já haviam tentado curá-la e não obtiveram sucesso, pediram que a levássemos para o hospital o mais rápido possível. Prontamente, colocamos mãe e filha no barco e, com o motor no máximo, nos dirigimos à cidade. Mas esta ficava muito distante, quase um dia inteiro de viagem.
Preparei um soro caseiro e ministrava uma colher à bebê de cinco em cinco minutos. O estado dela era tão grave que as moscas pousavam sem descanso. À certa altura, numa das pausas, ouço a mãe chorando. Meus companheiros de trabalho, nervosos ao extremo, olham pra mim atônitos. Me dirijo à mãe e pego a bebê de seus braços: está morta. Não me resta outra alternativa a não ser enrolá-la num lençol e seguir viagem. Cai uma chuva torrencial, dessas de lavar a alma. Não, não havia onde nos abrigarmos, era só floresta e rio... Após horas intermináveis, chegamos à cidade onde o "angelito" foi posteriormente sepultado.
Nesse dia, intimei Deus e tive minha maior briga com ele.