domingo, 17 de junho de 2012

"SOMOS POVO DA FLORESTA!!"


A plenária sobre energia e indústrias extrativistas que aconteceu hoje na Cúpula dos Povos da Rio+20, contou com a presença de delegações indígenas de vários países como México, Guatemala, Peru, Canadá, Brasil, Bolívia.

Líderes denunciam devastação em seus territórios (foto: Luciana Galante)


 A denúncia se assemelha: a mineração e a demanda por energia vem assolando comunidades, privando-as de recursos de uso coletivo como água e território. Não bastasse, muitas são contaminadas com metais pesados e sofrem violência direta por parte dos extratores. As perspectivas não são nada favoráveis, uma vez que possivelmente teremos um aumento significativo do contingente de refugiados ambientais nos próximos anos. Estes, desprovidos de seus referenciais territoriais, são obrigados a deixar suas regiões e migrar para áreas que nunca em ocupar antes.
Indígena canadense denuncia ação de mineradora  (foto: Luciana  Galante)
Para essas comunidades, isso significa uma ruptura irreparável em seu modo de vida. Sem os seus referenciais ambientais, são impedidas inclusive de exercerem sua espiritualidade e obrigadas a ressignificar outros espaços quando possível, claro.
Um depoimento me chamou muito a atenção. Foi um Yanomami, o líder Masi, quem atentou para práticas realizadas na história do Brasil quinhentista:
“ O Governo Federal precisa conhecer nossos lugares, conhecer a nossa casa, ver a nossa cara e falar na nossa cara que vai fazer barragem. O Governo precisa respeitar nossos xamãs. Nossos xamãs precisam da nossa floresta em pé. Na fronteira com a Venezuela, mineradores estão matando nossos parentes. A FUNAI está vendo isso. Nós não temos muitas informações, mas sabemos que os garimpeiros deram arroz com veneno para os nosso parentes. Eu sou Yanomami, eu sou povo da floresta e o Governo tem que ouvir a gente!!!”

Masi, líder Yanomami (foto: Luciana Galante)
Nos resta somar força à denúncias desse tipo. Práticas extrativistas que atentam contra a integridade física e cultural dessas comunidades e violam o sagrado sem o menor escrúpulo, jamais podem ser chamadas de “desenvolvimento” e, muito menos, “sustentável”.

sábado, 16 de junho de 2012

"Demarquem nossas terras" - Egon Heck


Esse artigo é do blog do companheiro Egon Heck

Demarquem nossas terras

Após a abertura do Acampamento Terra Livre, na Cúpula dos Povos, no Rio de Janeiro, um batalhão de fotógrafos  estava seguindo uma pessoa que adentrava ao Auditório 33 onde estavam algumas centenas de indígenas de todo o Brasil. Antonio Patriota, ministro das Relações Exteriores, veio dar uma olhada apenas no evento. Mas foi convidado pelos índios a dar uma palavra aos presentes. Deixou escapar o que parece ser a grande preocupação do governo: tentar convencer o mundo de que no Brasil é possível conjugar desenvolvimento com proteção ambiental. 
Para os povos indígenas esse esforço do governo brasileiro é em vão. É apenas  uma retórica fantasiosa ( para não dizer mentirosa) onde a onda de desenvolvimentismo, uma vez mais tem os povos indígenas como maiores vítimas. Basta olhar o descalabro e o caos  em que estão a saúde e educação indígena e mais grave ainda a total falta de uma política de produção de alimentos, de acordo com a lógica das economias indígenas.  Prefere-se institucionalizar a dependência através das cestas  básicas.


Logo após as breves palavras do ministro Antonio Patriota, Otoniel Kaiowá Guarani  do Mato Grosso do Sul pegou o microfone para dizer exaltado. “Demarquem nossas terras.  É bom o senhor estar aqui. Queremos a demarcação de nossas terras urgente. Não adianta falar em economia e proteção ambiental para nós, o que queremos e precisamos que o governo demarque as nossas terras”.
Acampamento Terra Livre
“A salvação do planeta está na sabedoria ancestral dos povos indígenas”, consta no folder da programação do IX Acampamento Terra Livre, organizado pela Articulação dos Povos Indígena do Brasil, e que se integra com agendas, participação e contribuições dos povos indígenas do continente Abya Yala. Durante uma semana serão debatidos os grandes temas que desafiam a humanidade hoje e em especial os povos indígenas do mundo. Serão feitos mobilizações, rituais, debates e elaborado um documento que expressa a posição do movimento indígena mundial diante da grave crise em que o sistema capitalista é uma ameaça à sobrevivência da vida no planeta. 
“O respeito aos povos indígenas requer valorizar a sua contribuição na formação social do Estado nacional e reconhecer o papel estratégico que os territórios indígenas tem desenvolvido milenarmente na preservação do meio ambiente, na proteção da biodiversidade e na solução dos problemas que hoje ameaçam a vida no planeta”
Essas atividades dos povos indígenas previstas para os próximos dias fazem parte dos mais de 3 mil eventos que estão previstos.
Mandantes do assassinato de Nisio Gomes, na cadeia


Foi deflagrada operação de prisão  dos mandantes e envolvidos no assassinado do cacique Nisio Gomes, conforme noticiou a imprensa de Campo Grande. O cacique foi assassinado em novembro último passado na Terra Indígena Guayviri, no município de Aral Moreira, no Mato Grosso do Sul. Mesmo que o anúncio da operação tenha  sido estrategicamente feito no decorrer da Cúpula dos Povos e Rio + 20, o que se espera é agilidade da justiça para  punir os responsáveis de dezenas de lideranças assassinadas e que permanecem na total impunidade. Além do mais não se tem ainda informações sobre o corpo do Nisio e do professor Rolindo. Que a prisão dos mandantes abra caminho para a localização dos corpos.



Egon Heck
Cúpula dos Povos, 15 de junho de 2012



Povo Guarani Grande Povo

sexta-feira, 15 de junho de 2012

Angelito

Senti uma baita necessidade de escrever esse post depois que assisti o filme " Violeta foi ao céu" (Violeta se fue a los cielos), uma biografia da multiartista chilena Violeta Parra. Não vou fazer uma resenha sobre o filme, mas há uma passagem do mesmo em que o "angelito" merece destaque. Dá-se o nome de "angelito" às crianças que falecem antes de completar três anos e, segundo as tradições do campo chileno, o velório do "angelito" é uma das principais instâncias do canto ao divino. Essa prática também pode ser encontrada em algumas regiões do Uruguai e Argentina. 
A cerimônia conta com diversos cantos e rezas em meio a incensos. Há também uma ceia que ocorre à meia-noite e a construção de uma espécie de altar onde o corpinho da criança é vestido como um anjo: colocam uma túnica e o adornam com asas para que faça sua viagem aos céus. Ás vezes o corpinho é colocado de pé ou sentado, com as mãos juntas segurando um ramo de flores brancas. O ritual é acompanhado por cânticos, rezas e, em algumas ocasiões, com um baile conhecido como balambo
Pode nos parecer estranho e de mau gosto mas, um ritual desses diviniza o angelito e atenua a dor. Pura, a criança é livre de pecados e ascende diretamente aos céus. No entanto, não é recomendável chorar, pois as lágrimas podem molhar as asas do "angelito" e dificultar sua viagem. 
Violeta Parra perdeu sua filha ainda bebê e transformou sua dor numa fabulosa canção chamada "Rin del Angelito" disponível no vídeo abaixo, cujas cenas são do filme chileno "Largo Viaje" , de 1967, que retrata o velório de um angelito.


Mas afinal, por que a necessidade de escrever sobre isso? 
O filme me remeteu à situações que vivenciei,  trabalhando com as populações indígenas. Infelizmente, presenciei a morte de alguns angelitos indígenas e foram momentos muito difíceis. Porém, uma delas ficou cravada na memória: minha primeira viagem à uma aldeia Kulina no AM. Foi um verdadeiro batismo de fogo. 
Ao chegar na aldeia vimos que uma mãe Kulina estava muito aflita, pois sua bebê de apenas 1 ano encontrava-se muito desidratada. Provavelmente devido à uma virose que havia contraído. Como já haviam tentado curá-la e não obtiveram sucesso, pediram que a levássemos para o hospital o mais rápido possível. Prontamente, colocamos mãe e filha no barco e, com o motor no máximo, nos dirigimos à cidade. Mas esta ficava muito distante, quase um dia inteiro de viagem. 
Preparei um soro caseiro e ministrava uma colher à bebê de cinco em cinco minutos. O estado dela era tão grave que as moscas pousavam sem descanso. À certa altura, numa das pausas, ouço a mãe chorando. Meus companheiros de trabalho, nervosos ao extremo, olham pra mim atônitos. Me dirijo à mãe e pego a bebê de seus braços: está morta. Não me resta outra alternativa a não ser enrolá-la num lençol e seguir viagem. Cai uma chuva torrencial, dessas de lavar a alma. Não, não havia onde nos abrigarmos, era só floresta e rio... Após horas intermináveis, chegamos à cidade onde o "angelito" foi posteriormente sepultado.
Nesse dia, intimei Deus e tive minha maior briga com ele.




quarta-feira, 30 de maio de 2012

"Vocês sabiam que as árvores falam?"

Tatanga Mani (Búfalo Andarilho) foi um importante líder dos índios Stoney. Nasceu em 20 de março de 1871 e desempenhou um papel fundamental como emissário da paz entre seu povo e o governo canadense. Frequentou as escolas dos brancos sem deixar de "estudar a natureza", tornando-se um verdadeiro diplomata. Já idoso, foi convidado pelo governo para uma volta ao mundo como representante dos indígenas. Morreu em 1967, sempre defendendo que a ligação do homem com a natureza é a chave para sua própria sobrevivência. 
Grande orador, seus discursos eram profundos,  além de provocadores: 

" Éramos um povo sem lei, mas nos dávamos muito bem com o Grande Espírito, criador e legislador de tudo. Vocês brancos, diziam que éramos selvagens. Vocês não entendiam nossas preces. Nem procuraram entender. Quando cantávamos para o Sol, a Lua ou o Vento, diziam que estávamos adorando ídolos. Sem compreender, nos condenavam como almas perdidas, só porque nossa forma de adoração era diferente da de vocês.

Tatanga Mani (Búfalo andarilho)
Víamos a obra do Grande Espírito em quase tudo: sol, lua, árvores, vento e montanhas. Às vezes nos aproximávamos Dele através dessas coisas. Havia algum mal? Acho que temos uma crença verdadeira no ser supremo, uma fé mais forte que a da maioria dos brancos que nos chamam de pagãos...Vivendo junto à natureza e do seu criador, os índios não vivem na escuridão.
Vocês sabiam que as árvores falam? Pois é verdade. Falam entre si, e falarão com você se quiser escutar. O problema é que os brancos não escutam. Não aprenderam a escutar os índios, e assim não creio que possam ouvir outras vozes na natureza. Mas eu aprendi um bocado com as árvores: às vezes sobre o tempo, às vezes sobre os animais, às vezes sobre o Grande Espírito".

Mais:

- Mc Luhah, T.C. Pés nus sobra a Terra sagrada: um impressionante auto-retrato dos índios americanos. Ed. L&PM.1986.



segunda-feira, 28 de maio de 2012

O pensamento livre

Que Albert Einstein (1879-1955) era um grande humanista é de conhecimento de muitos. Porém, a dimensão do humanismo de Einsten é algo notável, uma vez que sua crença na humanidade persistia mesmo diante de atrocidades como a guerra. Pacifista convicto e crítico incansável do regime militar, via o exército como a pior das instituições, que que deveria ser boicotada e banida de vez da sociedade:

"Creio que a recusa ao serviço militar, pela objeção de consciência simultaneamente afirmada por cinquenta mil convocados ao serviço, teria um poder irresistível...Se os povos quiserem escapar da escravidão abjeta do serviço militar, tem de se pronunciar categoricamente pelo desarmamento geral. Enquanto existirem exércitos, cada conflito delicado se arrisca a levar à guerra".

Chamava os intelectuais para a responsabilidade sobre os rumos da sociedade. A atmosfera era tensa, a ameaça da Segunda Guerra Mundial pairava no ar e a opinião pública fora tomada por um "nacionalismo cego"  pela atividade de "políticos reacionários". Diante do impasse, o recado aos intelectuais foi objetivo:

" Que deve fazer a minoria intelectual contra esse mal? Só vejo uma saída possível: a revolucionária, da desobediência, a da recusa a colaborar, a de Gandhi. Cada intelectual, citado diante de uma comissão, deveria negar-se a responder. O que equivaleria a estar pronto a deixar-se prender, a deixar-se arruinar financeiramente, em resumo, a sacrificar seus interesses pessoais pelos interesses culturais do país."

Defendia uma educação libertária e atentava para a importância das Ciências Humanas, sobretudo da História e da Filosofia como instrumentos para a formação de um indivíduo consciente, altruísta e não apenas um tecnocrata. Preocupava-se com a competitividade que insistia em entranhar-se no meio social e acadêmico:

"Os excessos do sistema de competição e de especialização prematura, sob o falacioso pretexto da eficácia, assassinam o espírito, impossibilitam qualquer vida cultural e chegam a suprimir os progressos nas ciências do futuro...O ensino deveria ser assim: quem o recebe o recolha como um dom inestimável, mas nunca como uma obrigação penosa".

Homem simples, espirituoso e uma das grandes mentes que a humanidade já teve, quem o conheceu afirmava que era um ser humano inacreditável, tamanha sua humildade.

Mais:

Einstein, Albert. Como vejo o mundo. Ed. Saraiva.2011



terça-feira, 22 de maio de 2012

Kiringue: a criança Guarani



Criada para a autonomia, kiringue, a criança Guarani, é livre, aprende com os erros, adquire habilidades  e responsabilidades desde muito cedo. Lindas, são a expressão da continuidade e esperança de seu povo.

Irmãos (foto: Luciana Galante)

Encantadoras como todas as crianças, sonham com rios cristalinos onde possam nadar, frutos silvestres que possam colher e animais com os quais possam brincar.

O quati fujão (foto: Luciana Galante)

Observadoras, atentam para o universo ao redor e interagem com a destreza de quem já habita essa terra há muito tempo. 

Olhos de jabuticaba (foto: Luciana Galante)

Criativas, seu imaginário lhes permite lidar com imprevistos e ir além, extrapolando fronteiras e limites. 

O guarda-chuva (foto: Luciana Galante)
Encontram a felicidade na simplicidade do coletivo, que insiste e resiste, enquanto nos isolamos encastelados por um império de futilidades e necessidades criadas.






sexta-feira, 11 de maio de 2012

Bandeirantes faz mais uma vítima Guarani: a história se repete

Cheguei em Tekoa Pyau ontem e encontrei a aldeia mergulhada em tristeza, em luto novamente. Não está sendo um ano fácil, ocorreram muitas baixas em pouco tempo. Dessa vez, quem virou estrela foi Rodinei, um jovem Guarani de 22 anos, vítima de atropelamento na Rodovia dos Bandeirantes. Ainda não se sabe ao certo quais foram as circunstâncias do acidente. Sabemos que foi à noite, por volta das 21h e que ele estava acompanhado de dois amigos. Ambos não conseguem falar, estão em estado de choque.
Rodinei fazia parte de um grupo de jovens na aldeia muito articulado, envolvido com questões de interesse  coletivo e, como disseram os Guarani, um rapaz muito tranquilo, prestativo e que seguia arandu porã (o bom conhecimento), o que significa, segundo a tradição, que sua conduta era impecável. Rodinei deixou mulher e dois filhos pequenos. 
Vale ressaltar que este não foi o único caso de atropelamento nas proximidades da aldeia. Ano passado a Rodovia dos Bandeirantes também fez vitimas. 
Espremida pela Estrada Turística do Jaraguá e pela Rodovia dos Bandeirantes, as lideranças de Tekoa Pyau há tempos temem pela segurança de seus moradores, sobretudo as crianças, já que estas precisam atravessar a estrada para frequentar a escola. 
É urgente discutir a vulnerabilidade em que se encontram os moradores de Tekoa Pyau e que o poder público garanta sua segurança. 
Impressiona como o legado bandeirante atravessa a história e perpetua o medo: Anhanguera, Bandeirantes e Raposo Tavares são apenas alguns exemplos de como o nosso estado glorifica aqueles que espalharam terror, escravizaram assassinaram e, mesmo indiretamente, continuam massacrando indígenas.

                                               Rodovia dos Bandeirantes, ao fundo o Pico do Jaraguá
                                                                                        (Foto: Daniel Souza Lima)